segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Epistemologia Convergente

"A psicopedagogia nasceu como uma ocupação empírica pela necessidade de atender as crianças com dificuldades na aprendizagem, cujas causas eram estudadas pela medicina e psicologia. Com o decorrer do tempo, o que inicialmente foi uma ação subsidiária destas disciplinas, perfilou-se como um conhecimento independente e complementar, possuidor de um objeto de estudo (o processo aprendizagem) e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios." (VISCA, Jorge,1987:7)
A psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Como outras áreas da saúde, a psicopedagogia implica em um trabalho a nível preventivo e curativo. Na função preventiva, cabe ao psicopedagogo atuar nas escolas através de assessoria pedagógica ou em cursos de formação de professores, esclarecendo sobre o processo evolutivo das áreas ligadas à aprendizagem escolar (perceptiva motora, de linguagem, cognitiva, emocional), auxiliando na organização de condições de aprendizagem de forma integrada e de acordo com as capacidades dos alunos. O trabalho do psicopedagogo, em nível curativo, é dirigido às crianças, adolescentes e adultos com distúrbios de aprendizagem.
No trabalho clínico, o psicopedagogo busca não só compreender o porquê de o sujeito não aprender algumas coisas, mas o quê ele pode aprender e como. A busca desse conhecimento inicia-se no processo diagnóstico, momento em que a ênfase é a leitura da realidade daquele sujeito para então proceder a intervenção, que é o próprio tratamento ou o encaminhamento.
A Epistemologia Convergente, segundo Jorge Visca, tem suas bases nas escolas psicanalítica, piagetiana e psicologia social de Enrique Pichon Rivière.
Para melhor situar a Psicopedagogia na sua evolução histórica, no seu artigo Os Caminhos da Psicopedagogia no Terceiro Milênio, o Prof. Jorge Visca faz um balanço, analisando o passado da Psicopedagogia, enfocando três grandes dimensões: a teórica, a técnica e a institucional, e diz que o projeto para o futuro está constituído por um conjunto de idéias que podem formar um programa de revisão de conceitos e técnicas já estabelecidos como assim também a construção de novos conceitos e novas técnicas.
Segundo Visca, anterior à Epistemologia Convergente, é possível reconhecer um período pré-científico que vai aproximadamente até o século XVIII, onde não existia um claro conceito de aprendizagem e de dificuldades de aprendizagem, visto que eram tidas como doença mental que, por sua vez, era explicada por uma concepção demonológica ou sobrenatural.
O período seguinte vai até fins do século XIX e começo do século XX. É uma etapa de transição entre as explicações pré-científicas e as científicas. Neste período, Itard e Pinel propuseram uma explicação ambiental e outra biológica para a parada do desenvolvimento.
A etapa posterior começa com o nascimento de inúmeras escolas psicológicas contemporâneas: o estruturalismo de Wundt e Titchner, a psicanálise de Freud, o funcionalismo de Dewey e Woodwort, a reflexologia de Pavlov; a Gestalt de Wertheimer, Koehler e Koffka, a topologia de Lewin, o behaviorismo de Watson e os subprodutos psicológicos da escola piagetiana. Todas estas escolas consideravam que "sua causa" - o inconsciente, o estímulo, a estrutura, etc. - era causa única e suficiente para explicar os problemas de aprendizagem.
O último período inicia-se aproximadamente durante a década de 30 e pode ser chamado de período de integração de idéias; os cientistas abandonam suas posições irredutíveis e mergulham no conhecimento de outros, possibilitando uma tomada de consciência das limitações, das descrições e explicações das distintas correntes, gerando um movimento integracionista.
Entre os integracionistas, destacamos Jorge Visca que, nas décadas de 70 e 80, dedica-se à investigação clínica e à produção de escritos, elaborando assim o paradigma denominado Epistemologia Convergente, que consiste na assimilação recíproca de contribuições da Psicanálise, da Escola Piagetiana e da Psicologia Social.
Visca conseguiu organizar um modelo de análise efetivamente dinâmico, permitindo compreender a interação dos aspectos cognitivos e afetivos no processo de aprendizagem. Na epistemologia convergente, todo o processo diagnóstico é estruturado de modo a observar a dinâmica de interação entre o cognitivo e o afetivo, de onde resulta o "funcionamento do sujeito".
Os instrumentos conceituais que elaborou para a formulação desse paradigma teórico se constituiem em:
· o esquema evolutivo da aprendizagem concebe a aprendizagem como uma construção, intrapsíquica, com continuidade genética e diferenças evolutivas resultantes das precondições energético-estruturais do sujeito e as circunstâncias do meio;
· o processo diagnóstico consiste na série de passos por cujo intermédio se realizam o reconhecimento, o prognóstico e as indicações. Esse processo possibilita uma imagem do sujeito mediante construção de um modelo a partir dele mesmo;
· a matriz do pensamento diagnóstico individual é instrumento conceitual "capaz de representar os distintos estados (normais ou patológicos) do objeto de estudo sem que perca sua unicidade. Para tanto, consta de três partes: o diagnóstico propriamente dito, o prognóstico e as indicações;
· o modelo nosográfico classifica os estados patológicos da aprendizagem conforme a base de sua descrição e explicação em três níveis: o semiológico (sintomas objetivos e subjetivos), o patogênico (estruturas e mecanismos que provocam a sintomatologia) e o etiológico (sua causas históricas);
· os critérios de seleção ou EOCA (entrevista operativa centrada na aprendizagem) consiste em uma consigna inicial e intervenções do entrevistador;
· processo corretor é o conjunto de operações clínicas por cujo intermédio se facilitam a aparição e estabilização de condutas entre um sujeito que acompanha o processo e outro que sofre ativamente, cofigurando ambos um sistema em devenir (movimento pelo qual as coisas se transformam).
Para Visca, esses seis modelos tentam ser uma instância de integração das concepções psicanalítica e piagetiana que transcenda o estudo do aspecto afetivo e cognitivo em separado, permitindo uma visão integradora, mais ampla e profunda. Como se pode constatar, o fazer da Psicopedagogia é uma área de conhecimento e de atuação profissional bastante recente, facilitando conhecer a forma de aprender do sujeito.
Todo diagnóstico psicopedagógico é uma investigação, é uma pesquisa do que não vai bem com o sujeito em relação a uma conduta esperada.. É o esclarecimento de uma queixa, do próprio aluno, da família, da escola. Trata-se do não-aprender, do aprender com dificuldade ou lentamente, do não-revelar o que aprendeu, do fugir de situações de possível aprendizagem. Nessa investigação, pretende-se obter uma compreensão global da forma de aprender do sujeito e dos desvios que estão ocorrendo nesse processo.
A técnica de investigação diagnóstica começa com a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem , de onde se extrai um 1O.sistema de hipóteses e se define a linha de pesquisa. São então selecionadas as provas piagetianas para o diagnóstico operatório, as provas projetivas psicopedagógicas e outros instrumentos de pesquisa complementares.
A partir da análise desses dados, elabora-se o 2o.sistema de hipóteses e oraganiza-se a linha de pesquisa para a anamnese (entrevista com os pais), e entrevista com a escola (professor e orientação escolar).
Por fim, o psicopedagogo, conclui seu 3O. sistema de hipóteses, levantando as causas das dificuldades na aprendizagem e, posteriormente, fazendo a devolutiva aos pais e ao sujeito, indicando-se os agentes corretores ideais e possíveis.
Importante destacar que no processo diagnóstico, dependendo do caso, tem a interferência de outros profissionais, como: médico neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional. Portanto, exige um trabalho multidisciplinar.
A formação psicopedagógica nos possibilitou encontrar o caminho que procurávamos para atingir a raiz das dificuldades na aprendizagem apresentadas pelos nossos alunos. Os postulados básicos da Epistemologia Convergente começaram a ampliar nossa visão do ser cognoscente, objeto de estudo psicopedagógico, pois exigiu-nos muita leitura e aprofundamento das teorias relacionadas com as ações de aprender e ensinar, não apenas no sentido da prática didático-pedagógica, mas no substrato epistemológico que delas se origina para a formação do sujeito "aprendente".
Nossa atuação em sala de aula, diante dos problemas relacionados com as dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar, mudou significativamente, desmistificando certas crenças e valores relativos ao ensino escolar.
Por outro lado nos possibilitou, no Pró-Saber, uma atuação clínica profissional, pois através do diagnóstico psicopedagógico pudemos identificar os desvios e os obstáculos básicos no modelo de aprendizagem do sujeito, que o impediam de aprender dentro do esperado pelo meio social.
Fundamentalmente, essa nova atitude favoreceu a ressignificação de nossa atitude profissional, tornando-a mais subjetiva.
A Epistemologia Convergente, segundo Jorge Visca, traz desafios para o terceiro milênio: aperfeiçoar os resultados alcançados pela definição mais inclusiva e profunda do seu objeto de estudo, a aprendizagem e os recursos diagnósticos e abordar as eventuais provocações do futuro.
A prática psicopedagógica, desenvolvida ao longo desses anos no Pró-Saber, tem demonstrado resultados significativos no resgate da estrutura cognitiva dos sujeitos com dificuldades de aprendizagem.
Muitos casos foram atendidos, causas das dificuldades detectadas e o processo corretor aplicado com resultados extremamente satisfatórios, mesmo em casos mais críticos, com diagnóstico de transtornos neuronais, deficiência mental, distúrbios comportamentais, motores, hiperatividade.
Destacamos muitas queixas de dificuldades na aprendizagem, cuja causa está relacionada a procedimentos pedagógicos e avaliativos, pelo despreparo de professores, metodologias e programas de ensino inadequados. Por isso, hoje, nosso trabalho acontece em parceria com as escolas, pois o processo corretor só terá êxito se houver um trabalho conjunto e articulado com a família e a instituição escolar.
Com certeza, para o terceiro milênio, também a instituição escolar deverá contar com mais este profissional, o psicopedagogo, pois é um trabalho que não favorece unicamente o aluno, mas também a instituição e o professor, já que estes elementos estão fortemente inter-relacionados.
O diagnóstico psicopedagógico não se refere apenas à prescrição de orientações para alunos em particular, mas aborda outros assuntos de caráter mais geral derivados de discussões sobre alunos com dificuldades, do desenvolvimento das orientações e, também, da análise conjunta de dúvidas ou questionamentos sobre assuntos didáticos. Desta forma, a psicopedagogia, além de ajudar a resolver problemas, intervém de uma forma mais preventiva e institucional, evitando o aparecimento de outros.
Nesta caminhada feita até aqui, ao longo destes 26 anos de atuação na educação, acreditamos que a visão psicopedagógica possibilitou uma mudança de postura frente à aprendizagem assistemática e sistemática, impulsionando o nosso desejo de buscar novas fontes constantemente, fazendo-nos sentir cada vez mais sujeitos históricos aprendentes, capazes de enfrentar desafios, abrir novos espaços de conquistas, tendo como meta fundamental um Ser mais Humano para o novo milênio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSEDAS, Eulália; HUGUET, Teresa; MARRODÁN, Maite. Intervenção Educativa e Diagnóstico Psicopedagógico, Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
BOSSA, Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil, Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.
LOMONICO, Circe Ferreira. Psicopedagogia - Teoria e Prática, São Paulo, Edicon,1992.
SARGO, Claudete; WEINBERG, Cybelle; MENDES, Mônica Hoehne. (org.), A Práxis Psicopedagógica Brasileira, São Paulo, Editora ABPp, 1994.
SCOZ, Beatriz Judith Lima; BARONE, Leda Maria Codeço; CAMPOS, Maria Célia Malta; MENDES, Mônica Hoehne. (org.), Psicopedagogia - contextualização, formação e atuação profissional, Porto Alegre, Artes Médicas, 1992.
VISCA, Jorge. Psicopedagogia - Novas Contribuições, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991.
VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica - Epistemologia Convergente, Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.
VISCA, Jorge. Psicopedagogia - Teoria Clínica Investigação, Buenos Aires, AG Serviços Gráficos, 1993.
VISCA, Jorge. Artigo: Os Caminhos da Psicopedagogia no Terceiro Milênio, 1999.
WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia Clínica, Porto Alegre, Artes Médicas, 1992.

Do site "psicopedagogia online.com.br"

sábado, 24 de outubro de 2009

CONTRIBUIÇÕES DO SOCIOCONSTRUTIVISMO DE VYGOTSKY E DE SEUS SEGUIDORES

O PAPEL DA LINGUAGEM NAS APRENDIZAGENS E NO
DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO VYGOTSKY


Para Vygotsky é muito importante o papel da cultura como influência sobre como os indivíduos aprendem e pensam. A aprendizagem e o conhecimento são em grande parte influenciados social e culturalmente. Toda cognição é “situada”, ou seja, ocorre num contexto.

Precisamos especialmente compreender e atender aos contextos culturais que circundam o
conhecimento da criança e que afetam de modo significativo suas expectativas sobre seus papéis
como aprendizes. Cada criança traz consigo conhecimentos e um conceito de aprendizagem
adquiridos em sua família e do seu legado cultural. A cultura propicia ferramentas (palavras,
convenções, símbolos etc.) com as quais o conhecimento é mediado e comunicado.

Vygotsky acreditava que a linguagem individual, que foi aprendida no contexto social, orienta o desenvolvimento cognitivo. Em outras palavras, a linguagem, mesmo no plano do próprio
indivíduo, sem comunicação com outros, tem importante função na formação de conceitos,
hipóteses e na resolução de problemas. O psicólogo russo também demonstrou como acontece a
transição da fala individual para a linguagem interna silenciosa.

Todos nós observamos como crianças pequenas (4 a 5 anos, por exemplo), ao montarem um
quebra-cabeças, falam sozinhas dizendo: “não vai caber aqui. Eu acho que é aqui. Não é. Então é
aqui...”. Mas, à medida que essas crianças amadurecem, sua fala autodirecionada submerge,
tornando-se um sussurro e depois movimentos labiais silenciosos. Finalmente, as crianças apenas
“pensam” as palavras orientadoras. O uso da fala individual tem seu auge entre os 5 e os 7 anos de idade, e em geral já desapareceu aos nove. As crianças mais inteligentes parecem fazer essa
transição mais cedo (Bee, 1992).

Vygotsky observou ainda a seqüência desenvolvimental. Numa primeira fase, as crianças
emitem a fala individual após uma certa ação, como se fosse um pós-pensamento. Com a
experiência, a fala passa a acompanhar a atividade (a criança faz e fala ao mesmo tempo).

Somente numa terceira fase, a linguagem precede a atividade. É aí que exerce o papel de auto-regulação, no sentido de orientar, planejar e monitorar o próprio comportamento.

Vygostsky identificou essa transição da fala individual audível para a fala interna silenciosa
como um processo fundamental. Por meio desse processo, a criança está usando a linguagem para realizar tarefas cognitivas importantes, tais como direcionar a atenção, resolver problemas, planejar, formar conceitos e ganhar autocontrole. Pesquisas confirmam as idéias de Vygotsky.

Tanto as crianças como nós, adultos, usamos mais a linguagem interna quando estamos confusos, temos alguma dificuldade ou cometemos algum erro. Tenham-se presentes os casos em que perdemos uma coisa e não sabemos onde a deixamos: como falamos sozinhos! A fala interna nos ajuda a organizar a procura, nos permite regular nosso próprio comportamento e a resolver o problema.

Duas conclusões: a fala e as aprendizagens na escola

Uma vez que a fala individual ajuda os alunos a regular seu pensamento, faz sentido permitir, e até incentivar, que eles a utilizem na escola. Insistir no silêncio total quando crianças pequenas estão trabalhando em problemas difíceis pode tornar o trabalho ainda mais difícil para elas. Você pode observar que, quando os murmúrios aumentam, isso significa que estão trabalhando
mentalmente e que, portanto, podem estar precisando de ajuda. Uma abordagem, denominada autoinstrução cognitiva, ensina as crianças a usarem a fala individual para orientarem a aprendizagem.

Por exemplo, diante da tarefa de copiarem uma figura, elas dão ordens internas para si mesmas
sobre como procederem na tarefa. Assim, elas dirão para si mesmas: "então, o que é mesmo que eu tenho que fazer? Ah! É copiar essa figura com as linhas diferentes. Eu tenho que ir devagar e com cuidado. Então, primeiro, eu vou fazer essa linha de cima para baixo. Isso! Agora, para a
direita....!” (Palincsar e Brown , 1989; Woolfolk, 2000).

Nas aprendizagens em grupo cooperativo, os efeitos dessa técnica variam, dependendo do
que realmente acontece no grupo e de quem se encontra nele. Se apenas uns poucos assumem
responsabilidade pelo trabalho, esses poucos irão aprender, ao contrário daqueles que não
participam. Os alunos que levantam questões, que fornecem respostas e que lançam explicações são aqueles que provavelmente mais aprendem, em comparação com aqueles que não levantam nem respondem a questões. De fato, há evidências de que quanto mais um aluno fornecer explicações elaboradas e refletidas para os outros no grupo, tanto mais ele mesmo aprenderá.

Dar boas explicações aparece ainda mais importante para a aprendizagem do que receber explicações (Webb e Palincsar, 1966). Para explicarem, os alunos têm que organizar a informação, exprimi-la com suas próprias palavras, pensar em exemplos e analogias (que estabelecem conexões entre conhecimentos prévios e a nova informação), e testar a compreensão ao responder a perguntas. Essas são excelentes estratégias de aprendizagem .
(Woolfolk Hoy, A,, Demerath, P. e Pape, S., 2001).


PROPICIAR APOIOS (ANDAIMES) COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO:

IMPORTANTE CONTRIBUIÇÃO DO SOCIOCONSTRUTIVISMO


O emprego de apoios/andaimes como estratégia de ensino junto aos alunos tem origem na teoria sociocultural de Lev Vygotsky e em seu conceito de zona do desenvolvimento proximal (ZDP).

Vygotsky (1978) definiu a ZDP como “a distância entre o desenvolvimento real determinado através da solução independente de um problema e o nível de desenvolvimento potencial enquanto determinado pela solução de um problema sob orientação de um adulto ou em colaboração com colegas mais capazes”. A estratégia de ensino por andaimes proporciona apoio individualizado baseado na ZDP do aprendiz. Em outras palavras, a ZDP pode ser considerada uma ferramenta de ensino para os professores.


Vygotsky originalmente havia lançado a idéia da zona de desenvolvimento proximal como uma alternativa às maneiras tradicionais de se pensar sobre capacidade e às práticas de avaliação padronizadas, ligadas àquelas concepções, como eram os testes de inteligência. Ele defendia uma concepção holística, dinâmica e interdependente do indivíduo na sociedade. O seguinte exemplo ilustra bem sua interpretação alternativa de capacidade.
Suponhamos que tenhamos aplicado um teste de aptidão em duas crianças, do que resultou que
ambas têm a mesma idade mental de sete anos. Isto significa que as duas crianças são capazes de resolver tarefas próprias dessa idade. Entretanto, se tentarmos exigir mais dessas crianças em testes, irá surgir uma diferença essencial entre as duas, em decorrência de uma ajuda extra. Se uma delas receber questões-guia, exemplos, demonstrações, chegará a resolver facilmente itens de um teste de um nível de dois anos acima de seu desenvolvimento real. A sua colega, ao contrário, sem tais ajudas, conseguirá resolver itens apenas meio ano acima de seu nível real de capacidade.



Os apoios facilitam a capacidade do aluno de construir novo conhecimento com base em seus conhecimentos prévios. Assim, os apoios possibilitam que o aluno suba para um estádio superior. As atividades solicitadas aos alunos, nesse sistema de ensino, situam-se apenas um tanto acima do nível do que o aluno pode fazer sozinho. Outras pessoas mais capazes fornecem o andaime ou apoio de tal modo que o aprendiz pode cumprir a tarefa que não cumpriria sozinho, e assim ajudam o aprendiz através da ZDP.

Uma importante característica dos andaimes ou apoios é que eles devem ser temporários. Na medida em que o aprendiz aumente suas capacidades, os apoios proporcionados pelos outros serão gradualmente retirados. Podem ser retirados justamente porque “o aluno terá esenvolvido sistemas cognitivos mais sofisticados numa determinada área de conhecimento” (Vygostky). Isto é, no fim, o próprio aprendiz será capaz de completar as tarefas por si mesmo. Nesta altura, o novo degrau que o aluno tiver atingido representa o patamar em relação ao qual surge nova ZDP, para receber novos desafios e novas formas de apoio. Entretanto, todo(a) professor(a) deve ter como objetivo, ao usar de apoios, conduzir o aluno a se tornar um aprendiz independente e auto-regulado, capaz de resolver problemas por si próprio.

Vista de outro ângulo, a ZDP é um espaço psicológico de encontro afetivo entre professor e aluno. Não é um estado fixo mas dinâmico e em contínua mutação, em função dos progressos sucessivos do aluno. Não é possível avaliá-lo diretamente por quaisquer testes, mas todo(a) professor(a) deve ter grande sensibilidade para, no contato com seus alunos, captar seu nível atual real e assim lançar tarefas com nível de desafio um tanto acima, já que com a devida ajuda será capaz de dar conta.

Crianças com Déficit de Atenção

(Charles L. Latimer, Ed.D.)

O déficit de atenção é uma condição, ou síndrome, ou distúrbio, reconhecido como um diagnóstico
psiquiátrico pela American Psychiatric Association, que possui um Manual para diagnóstico.
Essa condição pode ou não estar associada com hiperatividade, mas tipicamente envolve tanto
impulsividade como falta da devida atenção. Dependendo da gravidade da condição e do rigor dos
instrumentos de definição e diagnóstico, a incidência da síndrome se situa entre quatro e quinze por cento da população. Existem, porém, no mundo lugares em que oficialmente se nega a ocorrência da condição, e esses lugares, obviamente, relatam não haver nenhum indivíduo com tais características.

A síndrome é agora atribuída a uma anormalidade na bioquímica do cérebro, que resulta em
insuficiência ou excesso de substâncias que controlam a transmissão de impulsos neurais. Uma tendência é atribuída a fatores genético-hereditários ou a algum trauma nos processos pré-natal ou peri-natal. Nos casos mais severos uma atividade exagerada do feto tem sido relatada pelas mães durante a gravidez. Entretanto, a manifestação da condição pode ser significativamente influenciada pelo grau e pela natureza dos controles e da estrutura do lar. Crianças criadas num ambiente marcado por pouco conflito entre o casal e em que uma estrutura firme é propiciada por cuidados amorosos mas, ao mesmo tempo, bem organizados e consistentes podem demonstrar apenas leves problemas de aprendizagem e de comportamento, mesmo quando pareça haver tendências significativas de natureza biológica-neurológica. Ao contrário, crianças com apenas discretas tendências genéticas ou biológicas podem revelar notáveis problemas, caso seu desenvolvimento inicial tenha sido substancialmente marcado por desestruturação e pela ausência de um manejo e orientação adequados por parte dos pais.

Casos severos de crianças pequenas têm sido freqüentemente trazidos à atenção de pediatras,
especialmente se a mãe tem outros filhos ‘’normais’’ ou já possui experiência suficiente com outras crianças para identificar as diferenças de comportamento. Entretanto, a primeira queixa é feita tipicamente por uma professora da fase pré-escolar ou das primeiras séries. A queixa freqüentemente indicará hiperatividade, mas ainda em maior grau a desatenção, o fracasso em começar ou completar as tarefas de aprendizagem prescritas, e impulsividade. É difícil diagnosticar cedo os casos de crianças de capacidade cognitiva acima da média e que tenham sido alvo de muita atenção, assistência e estruturação por parte de pais conscientes e de professoras de uma boa escola primária. Nestes casos, o problema poderá aparecer mais claro após a 5ª. série, quando o aluno tem professores diversos, devendo enfrentar um padrão curricular muito mais complexo, e descobre que se espera dele que seja responsável pela auto-organização e auto-planejamento.

Os indivíduos com esse déficit de atenção são muito mal organizados tanto em relação às coisas
como em relação ao tempo. Sua atenção dispersa não apenas resulta em não ‘ouvirem’ os comentários, determinações e ordens que resultariam em ações imediatas como também os leva a ‘esquecerem’ o que era para fazer mais tarde. O padrão de não atender é, porém, esporádico, mais do que consistente, de tal modo que esses indivíduos são freqüentemente considerados irresponsáveis e preguiçosos pelos pais e professoras. Estes últimos acham que tais crianças podem realizar as tarefas desde que suficientemente pressionadas. E, de fato,elas o conseguem quando o assunto atrai sua atenção em um grau suficiente que elas focalizam a atenção, ou
porque num certo dia a sua bioquímica interna está funcionando muito bem, por razões desconhecidas.

Enquanto que as técnicas de modificação do comportamento podem ser eficazes com muitas crianças portadoras dessa síndrome, sem o uso de qualquer medicamento, poucos pais ou professoras mostraram ter tempo e persistência para o emprego daquelas técnicas hora após hora, dia após dia, ano após ano, sem a ajuda de medicamento para a criança (e, algumas vezes, também para os pais). Felizmente, existem hoje diversos produtos químicos que resultam em notáveis melhoras nos casos mais severos, e representam algum sucesso em cerca de 90% dos casos. Para a maioria das pessoas e com a maioria dos medicamentos, efeitos colaterais nocivos são mínimos e transitórios.

O déficit de atenção, porém, não é algo que possa ser ‘curado’. Os remédios apenas capacitarão a
criança a aprender e a ser ensinada, possibilitando que os adultos organizem suas vidas, planejem e levem adiante tarefas necessárias e mantenham relações interpessoais adequadas. Mesmo com medicamentos, a criança nessa condição precisa aprender comportamentos e gerenciar seu tempo, praticando isso a vida inteira para conseguir e manter as habilidades de enfrentamento. O déficit de atenção pode ser comparado com a diabete, nestes pontos: (a) é algo pelo que ninguém é responsável por ter, mas é responsável pela sua administração; (b) a pessoa não pode ficar livre do problema, mas pode aprender a conviver com ele e enfrentá-lo no dia-a-dia; (c) a pessoa pode precisar de medicamento e, neste caso, essa necessidade pode ser para a vida toda; (d) com os medicamentos, as habilidades de controle do comportamento e um estilo de vida
saudável, a pessoa pode ter tanto sucesso como qualquer outra. Em certas áreas, pode ter até mais êxito que os demais por causa do alto grau de energia que possui.

" Problema de Aprendizagem": Um Distúrbio Específico

(Bzuneck)

Todos os alunos, mesmo os mais brilhantes, têm dificuldade em aprender algum conteúdo,
em alguma ocasião. Quando um aluno que em geral vai bem nos estudos apresentar algum
problema, a explicação dessa dificuldade pode comumente estar em causas de curta duração e
controláveis, como doença temporária, falta de interesse por algum tópico específico, ou sobrecarga de trabalho em outras matérias. Entretanto, alguns alunos apresentam de modo consistente algum problema para aprender, e não existe nenhuma razão aparente para essa dificuldade. Se tal problema persistir por um período de tempo, o aluno poderia chegar a ser classificado como portador de “problema de aprendizagem” (learning disability, ou LD). Se é verdade que isso acontece em muitas áreas, também existe pouca discordância quanto ao fato de que esse distúrbio realmente existe. O problema está na especificidade.

Definição. Uma das maiores controvérsias na área de problemas de aprendizagem reside na
definição correta dessa condição. Em artigo recente, Hammill (1990) revisou nada menos que onze diferentes definições de problemas de aprendizagem, e mostrou as semelhanças e diferenças entre elas. Sua definição preferida é esta:
“Problemas de aprendizagem” é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de
distúrbios manifestados em dificuldades significativas na aquisição e uso da atenção, da fala,
da leitura, da escrita, do raciocínio, ou em capacidades matemáticas. Tais perturbações são
internas ao indivíduo, e supõe-se que se devam a disfunções no sistema nervoso central,
podendo ocorrer ao longo de todo o curso da vida. Problemas nos comportamentos autoreguladores, na percepção social, e interação social podem existir junto com os problemas de
aprendizagem, mas eles mesmos não constituem um problema de aprendizagem. Embora tais
problemas de aprendizagem possam ocorrer simultaneamente com outras condições limitadoras (por exemplo: deficiências sensoriais, retardo mental, perturbação emocional séria) ou com influências extrínsecas (como diferenças culturais, ensino insuficiente ou inadequado), eles não são resultado dessas condições ou influências.

Como o próprio Hammill aponta, o elemento que todas as definições guardam em comum é que
todo aluno portador desse problema de aprendizagem apresenta sub-rendimento escolar. Em geral, esse sub-rendimento é definido ou como uma discrepância entre as diferentes matérias escolares (por exemplo, matemática versus leitura), ou entre uma medida de capacidade (como teste de QI) e o desempenho. Além disso, a maior parte das definições de problemas de aprendizagem exclui uma variedade de fatores (diferenças sócio-econômicas e culturais, baixa motivação, ensino fraco) para explicar ou contribuir para a sua ocorrência. Finalmente, há um crescente consenso de que tal problema é de alguma forma relacionado com o funcionamento do sistema nervoso central, embora ainda não seja claro como e porque isso aconteça.

Um outro tópico importante relacionado com esse distúrbio diz respeito às abordagens corretas de ensino que os professores devem usar para ajudar esses alunos a atingir seu máximo potencial. Existe uma literatura em expansão sobre esse assunto, que trata tanto de práticas em sala de aula como de treinamento em determinadas áreas: aumentar as capacidades de resolver
problemas, diminuir a impulsividade, e melhorar o relacionamento com os colegas. Gage e Berline (1991) apresentam uma série de ações que os professores podem adotar para lidar em sala de aula com alunos portadores de problemas de aprendizagem: uma observação cuidadosa do aluno em contextos diversos; comparar esse aluno com outros para apurar quão atípico é o seu comportamento; uma série de passos para determinar se o aluno deveria ser encaminhado para uma possível educação especial, e algumas sugestões para desenvolver e implementar para ele um plano educacional individualizado. A suposição geral da maioria dos autores é que o aluno com esse problema de aprendizagem permanecerá integrando uma classe regular, cabendo ao professor adaptar seu ensino a esta forma de diversidade.

A Atenção do Aluno: Problemas e Encaminhamento

(José Aloyseo Bzuneck)

O primeiro passo na aprendizagem, por parte do aluno, é prestar atenção às informações
orais ou escritas. Alunos não conseguem processar aquilo a que não estejam ligados ou que não
percebam. Muitos fatores em sala de aula influenciam a atenção do aluno. Entretanto, essa atividade mental primária depende também de outros fatores. A Tabela 1, mais abaixo, dá algumas idéias para chamar a atenção dos alunos em sala de aula. Antes, porém, é oportuno que se tenham presentes quatro possíveis fatores que respondem pela falta de atenção dos alunos.
Problemas de atenção em alunos e suas origens Descritivamente, identificam-se pelo menos quatro tipos de alunos que apresentam problemas de atenção, com suas respectivas origens.

1. Alunos que facilmente, ou habitualmente, são distraídos, dispersivos, com dificuldade de
concentração e/ou de manter fixa a atenção onde for necessário. Por se tratar de algo crônico ou
habitual, entre suas causas podem-se citar a falta de treino de atenção concentrada, alta freqüência à TV; e falta de motivação. Em particular, os adolescentes são vítimas de devaneios ou fantasias em classe, que podem ser considerados casos de fuga da realidade.

2. Alunos com problemas de aprendizagem (“learning disability”, crianças “learning disabled”).

3. Crianças com a síndrome do déficit de atenção, ligada ou não a hiperatividade (também
chamada de Transtorno do Déficit de Atenção – TDA-H). Basicamente, é um distúrbio neurológico identificado, desde que presente antes dos 7 anos.

4. Alta ansiedade de provas: o componente cognitivo desse fenômeno, nas avaliações, consiste em
que o aluno tem a atenção toda voltada para pensamentos espúrios: num diálogo interno, pensa na dificuldade da prova, na sua incapacidade de dar conta da tarefa, nas conseqüências, e assim não se fixa no conteúdo sobre o qual está sendo avaliado. Esse efeito nocivo estende-se também para a hora em que o aluno se prepara para as provas, impedindo um trabalho mental eficaz.


Sugestões para despertar a atenção dos alunos em classe (Woolfolk, 2000)


1. Diga aos alunos qual é o objetivo da aula. Mostre como aprender aquele conteúdo será útil ou
importante para eles.

2. Peça que os alunos respondam porque eles acham que será importante aprender aquele
conteúdo.

3. Desperte a curiosidade com perguntas do tipo “O que aconteceria se...?”

4. Provoque um choque representando um evento inesperado como uma argumentação enfática,
imediatamente antes de uma aula sobre comunicação.

5. Altere o ambiente físico, mudando a disposição dos móveis, ou mude para outro tipo de sala.

6. Mude os canais sensoriais dando uma aula que exija que os alunos toquem, cheirem ou
saboreiem.

7. Use movimentos, gestos e inflexão de voz, ande pela sala, volte-se, fale baixo e, em seguida, de
modo mais enfático.

8. Evite comportamentos distraidores, como o de ficar batendo com o lápis na mesa.

As diferentes versões do Construtivismo (2a. parte)

(José Aloyseo Bzuneck)


Construção do Conhecimento por Processamento da Informação



Este modelo cognitivista inclui fatores internos que são: as características e papéis do aprendiz (seus conhecimentos prévios, o processo de atenção e o trabalho mental que realizar em sua memória de trabalho), o processo de aprender que é por processamento (pelo qual o aprendiz ativo manipula ou trabalha a informação) e os resultados da aprendizagem (que consistem em novo conhecimento integrado nas redes na MLD). Ligadas a esse modelo estão as diferentes estratégias de aprendizagem e até a aprendizagem autoregulada.

De acordo com Baddeley (1992), a memória de trabalho é um sistema em que (a) as pessoas armazenam temporariamente a informação para ser manipulada ou processada, ou seja, contém uma parte passiva, de simples armazenagem; (b) ocorre o trabalho de processamento ou de repetição, o que significa sua parte ativa; e (c) há um executivo central que controlará as operações anteriores e a atenção: assim, ora determinará que se proceda à repetição ou prática
daquele conteúdo, ora, se for o caso, se faça processamento. O executivo central, enquanto coordenador geral, sempre acionará a atenção sobre o conteúdo que entrou, com base em uma das duas alças (fonológica ou visuo-espacial). Além disso, para que aconteça o processamento, o executivo central irá solicitar que certos itens da memória de longa duração subam à consciência e sejam igualmente focalizados pela atenção.

Conhecimentos prévios, armazenados na MLD, são imprescindíveis ao processamento de qualquer novo conhecimento.

Características comparadas da Memória de trabalho e da MLD

Memória de trabalho, de curta duração (MCD):

· é consciente e só trabalha com atenção focalizada;

· é limitada, podendo compreender poucos itens por vez: em experimentos de laboratório, constatou-se que pode ocupar-se com um número de itens entre 5 e 9, com média 7 (sete dígitos, sílabas, até palavras, ou idéias simples...)

· além disso, seus conteúdos, se não forem trabalhados, duram até 30 segundos; em seguida, vão para o espaço...;

· é o espaço de trabalho (memória ativa, memória de trabalho), onde se dá o encontro entre a informação que entra e a que estiver na memória de longa duração (MLD);

· o trabalho dela consiste na codificação, que sempre implica numa transformação do input sensorial e no uso de estratégias;

· permanece relativamente intacta nos casos de amnésia.


Memória de longa duração (MLD):

· Todo conteúdo aprendido na escola deve armazenar-se nela, sendo conhecimento duradouro, para a vida;

· Seus conteúdos, no momento, não são conscientes;

· sua capacidade é ilimitada: não se conhecem seus limites de armazenagem;

· Contém toda forma de conhecimentos, já construídos anteriormente, e que agora se acham organizados,semanticamente interligados em redes ou schêmata (esquemas);

· Contém o que fora anteriormente codificado na MCD;

· Seus conteúdos são acessados de modo aleatório, não-linear; entretanto, existem leis psicológicas que regem o acesso a tais informações;

· Esses conteúdos, que são os conhecimentos previamente armazenados, são ativados por uma ativação propagadora cada vez que devam ser apresentados externamente, como numa prova; ou quando um novo conhecimento deva ser processado na memória de trabalho.

· Normalmente, é comprometida na amnésia: não consegue armazenar mais nada de novo.

As diferentes versões do Construtivismo (1a. parte)

(José Aloyseo Bzuneck)

Através da história da Psicologia Cognitivista o construtivismo apareceu em diversas versões. Prawat (1996) descreveu seis tipos diferentes, entre modernos e pós-modernos (ver também Grandesso, 1998). Para nossos objetivos psicopedagógicos, três versões merecem particular destaque: o construtivismo desenvolvimental, de J. Piaget e de seus seguidores; o socioconstrutivismo originado de Vygotsky e continuado por seus intérpretes; e as teorias de processamento da informação.

Cada uma dessas versões parte de pressupostos filosóficos diferentes e explica de modo peculiar o processo de aprender, em termos de componentes e fatores. Porém, todas assumem por igual o processo de aprendizagem como uma construção ativa do conhecimento.

A seguir serão explorados os tópicos mais característicos de cada versão, atendendo ao objetivo maior que é o de aprimorar os processos de ensino, que contribuam para uma aprendizagem de qualidade.


I - O Construtivismo Desenvolvimental de Piaget

(Epistemologia Genética)


Jean Piaget (1896-1980) interessa-se desde o começo pelas questões epistemológicas - como é possível o conhecimento?; como se pode passar de um conhecimento menor a um maior?; que papel tem o indivíduo no ato do conhecimento? Naquela época, a epistemologia estava dividida
entre os que defendiam que o conhecimento era simplesmente uma cópia da realidade exterior e que era adquirido por meio dos sentidos - empirismo - e os que defendiam que o conhecimento era inato - inatismo. Nesse contexto, Piaget propõe uma terceira alternativa. Defendia que o conhecimento vai sendo construído - não é inato - e que, nessa construção, o indivíduo tem um papel especial - o seu conhecimento não é simplesmente uma cópia da realidade, como os empiristas crêem. Dá uma base empírica às suas preocupações epistemológicas e, por isso, interessa-se pela psicologia, sobretudo àquela que lhe permite seguir o processo de evolução dos conhecimentos ao longo da vida. Aliás, o próprio termo Construtivismo foi por primeiro usado por Piaget em uma entrevista em que discutia seu trabalho e define uma posição epistemológica, no que se refere à origem do pensamento humano (racional).

As principais categorias de sua teoria são: esquemas de ação; estruturas; assimilação e acomodação; adaptação; equilibração; equilíbrios, desequilíbrios e conflitos; estádios do desenvolvimento lógico-cognitivo; papel do ambiente no desenvolvimento lógico-cognitivo.

Principais conclusões educacionais a partir da Teoria de Piaget
(a grande “herança” de Piaget, segundo Emilia Ferrero)

1. Existem os níveis de pensamento ou modos qualitativos de resolver problemas, que correspondem aos estádios piagetianos: pré-operatório, operatório concreto e operatório
formal. Toda criança poderá revelar um desses modos de pensar em casos específicos, ou estar em transição.

2. É uma meta educacional: que todos os alunos atinjam, a seu tempo, os níveis mais altos
de pensamento. Mas essas conquistas não ocorrem de modo espontâneo, como que fatalmente; não existe pré-formismo. E as estruturas cognitivas não são mero produto direto de influências ambientais. A posição de Piaget é interacionista, isto é, para ele, mediante um processo de interação com o seu meio, todo indivíduo ativamente constrói modos mais avançados de pensar, conhecer e resolver problemas. Aí está enfatizada a relevância da atividade mental do aluno.

3. Há meios pedagógicos de se facilitar o processo pelos quais as crianças desenvolvem o pensamento lógico-operatório, até os níveis mais elevados.

4. A estratégia educacional mais importante e universal consiste em fazer a criança pensar,
ou seja, que faça ações (mentais) sobre os conteúdos. Para tanto, professoras e colegas têm a função de provocar desequilíbrios na criança, através de desafios,questionamentos, idéias diferentes etc.

5. No ensino, é preciso ser sensível à criança, entendendo seu modo atual de pensar e resolver problemas. As respostas dos alunos e suas soluções aos problemas sempre devem ser levadas a sério. No momento em que são produzidas, elas fazem muito sentido para o aprendiz, mesmo que pareçam erradas do ponto de vista do professor. Deve-se perguntar aos alunos como chegaram a tais respostas. Isso os ajudará a separar as respostas dadas para agradar a professora das respostas que são dadas como resultado de uma compreensão genuína ou de algum al-entendido. A partir do que se souber acerca do pensamento da criança, pode-se prosseguir no trabalho de desafiá-la sucessivamente.

As provas piagetianas para avaliação cognitiva

O modo como uma criança pensa, de forma lógica-operatória, ou pré-operatória, é um processo psicológico interno, subjetivo, não observável diretamente. Piaget desenvolveu testes que funcionam como uma espécie de “raio-x psicológico”, destinados a identificar o modo qualitativo de as crianças pensarem. Foi assim que ele obteve os dados básicos para a formulação de sua teoria cognitivo-desenvolvimental. Assim,um teste poderá concluir que uma dada criança revela, em certo conteúdo, um modo de pensar que poderá ser ou pré-operatório, ou operatório concreto, ou em transição entre essas duas fases. O mesmo vale para se testar a transição do operatório concreto para o formal.

As crianças do ensino fundamental devem estar entrando ou já se consolidando nos modos de pensar operatório concreto, até com sinais de operatório formal. Por isso, pode ser útil – dentro de certos limites – averiguar como essas crianças raciocinam diante de problemas, que são os testes piagetianos. O critério fundamental de que alguém pensa de modo operatório é ter a noção de conservação. Por isso, vale a pena conhecer alguns desses testes entre os quais, a título de exemplo, podem ser citados os seguintes.

1. Seriação, ou ordenação segundo grandezas crescentes ou decrescentes.

2. Classificação operatória

3. Conservação de número, de quantidades discretas etc.

Entretanto, são necessárias algumas cautelas ao se pretender avaliar as crianças na escola, com as provas piagetianas, a título de diagnóstico cognitivo. Tal avaliação, além de não captar necessariamente toda a estrutura cognitiva de uma criança, revela apenas o que ela aqui e agora é ou possui (C. Coll; E. Ferrero). É provável que, logo a seguir, ela construa uma forma superior de pensamento, inclusive em função da própria participação na situação de teste. Portanto, não se deve concluir definitivamente que a criança é préoperatória ou operatória mediante a aplicação de um teste, mas que ela, agora, com essematerial específico, apresenta uma resposta característica de um nível ou outro de pensamento, ou que ela está em fase de transição. Esse conhecimento sobre a criança, porém, tem grande utilidade para o delineamento imediato de estratégias de intervenção.

Além disso, considere-se que há variáveis que podem limitar os avanços cognitivos e/ou camuflar a verdadeira estrutura cognitiva subjacente; daí pode surgir o falso negativo.

Imaturidade biológica
Inteligência psicométrica (QI)
Grau de familiaridade com os materiais
Desenvolvimento da linguagem
Processos de atenção na hora da prova; e motivação para fazer aquele dado teste, naquele momento.

A construção do conhecimento na escola

(Cesar Coll)


A concepção construtivista da aprendizagem e do ensino organiza-se em torno de três idéias
fundamentais. Em primeiro lugar, o aluno é o último responsável por seu próprio processo de
aprendizagem. É ele quem constrói o conhecimento e nada pode substitui-lo nessa tarefa. A
importância dada à atividade do aluno não deve ser interpretada tanto no sentido de um ato de
descoberta ou de invenção, como no sentido de que é ele quem aprende e, sem ele, não se faz nada, nem sequer o professor pode fazê-lo em seu lugar. O ensino está totalmente mediado pela atividade mental construtiva do aluno. O aluno não é somente ativo quando manipula, explora, descobre ou inventa, mas também quando lê ou escuta as explicações do professor. Evidentemente, nem todas as formas de ensinar favorecem por igual o desdobramento desta atividade, porém sua presença é indiscutível em todas as aprendizagens escolares, inclusive as que podem surgir do ensino direto ou expositivo.

Em segundo lugar, a atividade mental construtiva do aluno é aplicada a conteúdos que já
possuem um grau considerável de elaboração, ou seja, que são o resultado de certo processo de
construção em nível social. Praticamente a grande totalidade dos conteúdos que constituem o núcleo das aprendizagens escolares são saberes e formas culturais, que tanto os professores como os alunos encontram em boa parte elaborados e definidos. O conhecimento educativo é, em grande parte, como destaca Edwards (1987), um conhecimento preexistente a seu ensino e aprendizagem na escola. Os alunos constróem ou reconstroem objetos de conhecimentos que de fato estão já construídos. Os alunos constróem o sistema da língua escrita, porém esse sistema já está elaborado; os alunos constróem as operações aritméticas elementares, porém estas operações já estão definidas; os alunos constróem o conceito de tempo histórico, porém este conceito faz parte da bagagem cultural existente; os alunos constróem as normas de relação social, porém estas normas são as que regulam normalmente as relações entre as pessoas; e assim com quase todos os conteúdos escolares, quer se trate dos sistemas conceptuais e explicativos, que configuram as disciplinas acadêmicas, das habilidades e destrezas cognitivas, dos métodos ou técnicas de trabalho, das estratégias de resolução de problemas, ou dos valores, atitudes e normas.

Em terceiro lugar, o fato de que a atividade construtiva do aluno seja aplicada a alguns conteúdos de aprendizagem preexistentes, que já estão em boa parte construídos e aceitos como saberes culturais, antes de se iniciar o processo educativo, condiciona o papel que o professor está
chamado a desempenhar. Sua função não pode limitar-se unicamente a criar as condições ótimas
para que um aluno desenvolva uma atividade mental construtiva rica e diversa; o professor tentará, além disso, orientar e guiar esta atividade, com o fim de que a construção do aluno se aproxime de forma progressiva do que significam e representam os conteúdos como saberes culturais. Nas palavras de Resnick (1989, p. 2), o ensino deve obrigar estes processos [os processos de construção de conhecimento dos alunos], com o fim de que dêem lugar a um conhecimento verdadeiro e potente: verdadeiro, no sentido de descrever corretamente o mundo ou de descrevê-lo corretamente de acordo com as teorias de uma disciplina, e potente, no sentido de ser duradouro e de poder utilizá-lo em situações diversas. Deste modo, a tomada em consideração da atividade construtiva do aluno obriga a substituir a imagem clássica do professor como transmissor de conhecimentos, pela do professor como orientador ou guia; porém, o fato de que os conhecimentos a serem construídos estejam já elaborados em nível social o convertem em guia um tanto peculiar, já que sua função é encadear os processos de construção do aluno com o saber coletivo culturalmente organizado.

"O objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno, mas o de criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda a vida”



(Durkheim)